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A velhice

A velhice é uma idade sagrada.
Foi venerada em todos os tempos.
Na antiguidade teve obséquios e cultos oficiais.
Pode apreciar-se o grau de cada civilização histórica
pelo respeito e pelo carinho dispensados a estes seres,
de energia quebrada e de esperança desfeita,
que trazem nos olhos tristes o reflexo cada vez maior da morte que se aproxima.
A velhice é a quadra sem prazer de toda vida humana.
A infância sabe só que vive, e ri; a mocidade tem o sonho que
embala, e canta; a idade adulta conta com o futuro,
ambiciona e trabalha;
a velhice é um sonambulismo trêmulo e quase sempre atormentado,
de que só se acorda na agonia extrema... para morrer.
Por que anda tão alegre e alvoroçada a infância,
e a velhice por que anda tão melancólica e abatida?
Perguntava Chateaubriand, e respondia:
é porque a infância ignora tudo, e porque a velhice sabe tudo!
O que a velhice sabe?
Sabe que a existência humana é um tecido de ilusões e que o prazer,
de usa natureza fugaz,
antecede sempre ao tédio ou a desventura:
sabe que a vida falta sempre às suas promessas,
e que a felicidade anda sempre em volta de nós,
como sombra, sem que a possamos ou tentemos colher em nosso proveito;
sabe que a fortuna leva muito tempo a chegar e,
se chega, dissipa-se, foge depressa, e que só a desgraça vem e permanece;
sabe, como na sentença de Ovídio,
que raras amizades nos restam se o infortúnio nos visita,
e que só são numerosas e frequëntes nos dias de prosperidade e do valimento;
sabe que, com o volver dos anos, o coração arrefece gradualmente,
o entusiasmo apaga-se, a própria ambição diminui,
a esperança reduz-se a um tênue clarão,
a crença nas coisas da terra evola-se como o fumo,
os horizontes, com a luz decrescente,
restringem-se de hora em hora: e fica só,
quando fica, o pavor da eternidade e a última confiança em Deus!

[Antonio Cândido]
  1. A velhice