^ToPo^

Epitáfios

Epitáfios (do grego antigo ἐπιτάφιος; "sobre a tumba") são frases escritas sobre túmulos, mausoléus e campas cemiteriais para homenagear pessoas ali sepultadas. Normalmente, os dizeres são colocados em placas de metal ou pedra.
Tradicionalmente escritos em verso, alguns epitáfios são célebres como o de Robespierre:

"Passante, não chores minha morte"
"Se eu vivesse tu estarias morto"
A vida é noite: o sol tem véu de pedra.


O escritor grego Níkos Kazantzákis conseguiu projeção com a frase:
“Não espero nada. Não temo nada. Sou livre”.

Florbela Espanca

Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gémea da minha!
Tua alma, assim como a minha,
Rasgando as núvens pairava
Por cima dos outros,
À procura de mundos novos,
Mais belos, mais perfeitos, mais felizes.

Criatura estranha, espírito irriquieto,
Cheio de ansiedade,
Assim como eu criavas mundos novos,
Lindos como os teus sonhos,
E vivias neles, vivias sonhando como eu.
Dorme, dorme, alma sonhadora,
Irmã gémea da minha!
Já que em vida não tinhas descanso,
Se existe a paz na sepultura:
A paz seja contigo!

(Fernando Pessoa)

Vem, Noite

Dois Excertos de Odes

‹‹‹ Vem, Noite
‹‹‹ Come Night
‹‹‹ Magnificat


Vem, Noite


I

Vem, Noite, antiqüíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.


Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene,
com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolistas
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...

Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos,
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.

Vem soleníssima,
Soleníssima e cheia
De uma oculta vontade de soluçar,
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,
E todos os gestos não saem do nosso corpo
E só alcançamos onde o nosso braço chega,
E só vemos até onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Ebúrnea das Tristezas dos Desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de água sobre os lábios secos e Cansados.

Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me no seu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.

Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde — quem sabe?
— Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo...
é
Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre os mares sem horizontes precisos,
Vem e passa a mão pelo dorso de fera,
E acalma-o misteriosamente,
Ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!

Vem, cuidadosa,
Vem, maternal,
Pé ante pé enfermeira antiqüíssima, que te sentaste
À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,
E que viste nascer Jeová e Júpiter,
E sorriste porque tudo te é falso e inútil.

Vem, Noite silenciosa e extática,
Vem envolver na noite manto branco
O meu coração...
Serenamente como uma brisa na tarde leve,
Tranquilamente como um gesto materno afagando,
Com as estrelas luzindo nas tuas mãos
E a lua máscara misteriosa sobre a tua face.
Todos os sons soam de outra maneira
Quando tu vens.

Quando tu entras baixam todas as vozes,
Ninguém te vê entrar.
Ninguém sabe quando entraste,
Senão de repente, vendo que tudo se recolhe,
Que tudo perde as arestas e as cores
E que no alto céu ainda claramente azul
Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem,

—A lua começa a ser real.

II
Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades
E a mão de mistério que abafa o bulício,
E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe
Para uma sensação exata e precisa e ativa da Vida!
Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios
E que misterioso o fundo unânime das ruas,
Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre,
Ó do "Sentimento de um Ocidental"!

Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas,
Que nem são países, nem momentos, nem vidas,
Que desejo talvez de outros modos de estados de alma
Umedece interiormente o instante lento e longínquo!

Um horror sonâmbulo entre luzes que se acendem,
Um pavor terno e líquido, encostado às esquinas
Como um mendigo de sensações impossíveis
Que não sabe quem lhas possa dar ...

Quando eu morrer,
Quando me for, ignobilmente, como toda a gente,
Por aquele caminho cuja idéia se não pode encarar de frente,
Por aquela porta a que, se pudéssemos assomar, não assomaríamos
Para aquele porto que o capitão do Navio não conhece,
Seja por esta hora condigna dos tédios que tive,
Por esta hora mística e espiritual e antiquíssima,
Por esta hora em que talvez, há muito mais tempo do que parece,
Platão sonhando viu a idéia de Deus
Esculpir corpo e existência nitidamente plausível.
Dentro do seu pensamento exteriorizado como um campo.

Seja por esta hora que me leveis a enterrar,
Por esta hora que eu não sei como viver,
Em que não sei que sensações ter ou fingir que tenho,
Por esta hora cuja misericórdia é torturada e excessiva,
Cujas sombras vêm de qualquer outra coisa que não as coisas,
Cuja passagem não roça vestes no chão da Vida Sensível
Nem deixa perfume nos caminhos do Olhar.

Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que eu não tenho nem quero ter.
Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio
A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas,
Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria
— Tu que me conheces — quem eu sou ...




Come Night

Come, selfsame and ageless Night,
Queen of Night, born dethroned,
Night matching innermost silence, Night
Spangled with fast flying stars
In your dress fringed by Infinitude.

Come drifting,
Come lightly,
come in solemn, alone, hands fallen
At your sides, come
Bearing the distant hills down to the foot of the
trees nearby,

Fusing all fields I see into your one field,
Turn the mountain into a single block of your body,
Expunge from it each bit of difference I see from afar,
All the roads climbing it,
All the various trees turning it dark green in the distance,
All the white houses with their smoke rising through the
trees,
And leave but one light and another, and still another,
In the blurred and vaguely disturbing distance,
In the distance suddenly impossible to penetrate.

Our Lady
Of everything impossible we strive for in vain,
Of dreams that come to us by the window at dusk,
Of the schemes that beguile us
To the European sound of music and voices far off and
near by
That hurt us, knowing we'll never come anywhere near
them...

Come lull us,
Come soothe us,
And kiss our brow, silently,
Our brow so lightly we're not aware we've been kissed
Except for some difference in the soul,
And the hint of a sob that flees like a melody
Out of what 's most ancient in us
Rooting all those magical trees
Whose fruits are the dreams we fondly and love
Because we know them apart from any connection with
life.
(...)
in «English Poems by Fernando Pessoa»
Álvaro de Campos Poetry




Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei.

O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.

Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

Álvaro de Campos, 7-11-1933

Grandes são os desertos

Grandes são os desertos

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Grandes são os desertos, minha alma !
Grandes são os desertos.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Volta amanhã, realidade !
Basta por hoje !
Adia-te, presente absoluto !
Mais vale não ser que ser assim.

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
A Mala.
Tenho que arrumar mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro e tudo é deserto.

Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes,
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado !
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
Mais vale arrumar a Mala !
A Mala, a Mala, a Mala.

ARRumar a Mala, a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora,
como sempre quis,
com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro,
firme só na claReza, de fazer qualquer coisa !

Vou fazeR as Malas para o DeFinitivo,
Organizar ÁlvaRo de CampOs,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem —
um antes de ontem que é sempRe...
SoRRio do conhecimento antecipado
da Coisa-Nenhuma que seRei.

DescRi de todos os deuses
diante de uma secretária por arrumaR,
Fitei de frente todos os desTinos
pela distração de ouvir apRegoando,
E o meu cansaço é um Barco Velho
que apodRece na praia deseRta,
E com esta imagem de qualqueR
outro poeta fecho a secretária e o poema...
como um deus, não aRRumei nem uma coisa nem outRa...
Fim.

Viver é não conseguir

Eu vi coisas que vocês humanos não acreditariam.
Naves de ataque em chamas na encosta de Orion.
Eu vi raios Cósmicos brilhando no escuro,
próximo de TannhäuserGate.
Todos esses momentos ficarão perdidos no tempo,
como lágrimas na chuva.
Hora de morrer.



Time, what is time?
Come lock the door don't let me in.
I am the one...
Your destiny.
Time, what is time?
Reality. It hurts me so.
When time is time again...
Look into my eyes.
Feel the fear just for a while...
I'm a replicant and I love to live.
"A esperança existe por causa dos desesperados."-Haroldo de Campos

A máscara do mal

Na minha parede, a máscara de madeira
de um demônio maligno, japonesa –
ouro e laca.
Compassivo, observo
as túmidas veias frontais, denunciando
o esforço de ser maligno.

Epitaph für Maiakowki

Den Haien entrann ich
Die Tiger erlegte ich
Aufgefressen wurde ich
Von den Wanzen.

Epitáfio

Escapei aos tigres
Nutri os percevejos
Fui devorado
Pela mediocridade

[Brecht/Haroldo de Campos]


--oooo-------ooo-------
Marte
Deus da Guerra

Não foi bem assim, mas quase.
Lá estava ele,
solitário e agressivo,
espreitando sobre as nuvens,
velho Deus da Guerra,
portador do tumulto,
dizendo-nos:
— Não vos deixarei nunca.

The Scream (The Cry) - 1893


"Nada nesta paisagem conduz ao senso de
horror revelado por Munch.
Apesar do sol desmaiado,
não é o fim do mundo,
nem o advento do holocausto,
nem o início de uma guerra desastrosa.
Ou será tudo isso ao mesmo tempo?"
(do catálogo do Museu)

<< Eu estava passeando aqui fora com dois amigos e o Sol começava a por-se — de repente o céu ficou vermelho, cor de sangue — Eu parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma cerca — havia sangue e línguas de fogo sob o fiorde azul-escuro e da cidade — os meus amigos continuaram a andar e eu ali fiquei, em pé,a tremer de medo — e senti um GRITO infindável a atravessar a Natureza. >>
[Edvard Munch]

Pela morte vivemos, porque só somos hoje,
porque morremos para ontem.

Pela morte esperamos,
porque só poderemos crer em amanhã,
pela confiança da morte de hoje.

Tudo o que temos é a "Morte",
tudo o que queremos é a morte,
é morte tudo o que desejamos querer...

[Fernando Pessoa]

Y dí mi corazón á conocer la sabiduría,
y también á entender las locuras
y los desvaríos:
(y) conocí que aun esto era aflicción de espíritu.

[Eclesiastes]

Soy como Dios y Dios es como Yo.
Soy tan grande como Dios,
Él es del mismo tamaño que Yo.
No está por encima de mí ni
Yo estoy por debajo de Él.

[Selicius siglo XVII]

¿No habéis visto un árbol viejo,
cuyo tronco, arrugado,
coronan verdes renuevos?
Pues eso habéis de pensar,
y que pasando los tiempos,
yo me sucedo a mi mismo.
Pues yo ya no sé en absoluto
qué viejo soy
ya y qué joven seré todavía...

[Lope de Vega]

Felices los amados
los amantes
y los que pueden prescindir del amor.
-Borges

Quando eu não mais viver,
não haverá mais nada,
— o Universo terá acabado,
pois ele é o meu pensamento.
Renascerei na erva que será pisada,
ou na flor que murchará.

- Omar KhaYYam -

Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais.
Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos Porcos.
As Criaturas de fora olhavam de um Porco para um Homem,
de um Homem para um Porco e de um Porco para um Homem outra vez;
mas já se tornara impossível distinguir quem era Homem,
quem era Porco.
[George Orwell]


Basta Pensar

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.
Viver é não conseguir.

-fernando pessoa-


Quem pudesse gritar para despertarmos!
Estou a ouvir-me gritar dentro de mim,
mas já não sei o caminho da minha vontade para a minha garganta.

Bendito seja eu por tudo o que não sei
gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
[FP]


Tempo demais vivi perto da solidão e,
assim, desaprendi o silêncio.
[Friedrich Wilhelm Nietzsche]

Somos todos culpados de tudo e eu mais do que todos os outros.
( Dostoiévski )

O filho de José e Maria nasceu como todos os filhos dos homens,
sujo do sangue de sua mãe,
viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio.
Chorou porque o fizeram chorar,
e chorará por esse mesmo e único motivo.
[Saramago]

Aquele que tropeçou


DIZEM
Aquele que tropeçou, tropeçou
dizem
que aquele que traiu traiu
dizem
dizem que aquele que está só
dizem
que aquele que esqueceu esqueceu
dizem
que aquele que não está contigo
dizem que se foi embora
dizem que esqueceu.

[Nathan Zakh]


Cansei
Cansei.
Cansei de ontem
e de amanhã.

Cansei,
Do padre
nem se fala.

Cansei do meu
dedão do pé
e do dedinho
da mão.

Cansei de você,
Cansei de todo mundo,
Cansei do homem
que eu conheço
e do que desconheço.

Cansei dos homens
com fome de ontem,
com medo de amanhã.
Cansei.

Não posso voltar atrás
Nunca saí do lugar
Não posso ir mais adiante
Curvas encantam o olhar
A estrada é muito comprida
Levei toda a minha vida
O caminho é sem saída

[Arnaldo Augusto]

Grande Sertão: Veredas

O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim,
forro, sou nascido diferente.
Eu sou é eu mesmo.
Diverjo de todo o mundo...
Todo tormento. Tormentos.
Diadorim - nú de tudo.
Sufoquei numa estrangulação de dó.
Diadorim era mulher como o sol não ascende
a água do rio Urucuia,
como eu solucei meu desespero.
O céu vem abaixando. Narrei ao senhor.
No que narrei, o senhor até ache mais do que eu,
a minha verdade.
Fim que foi. Aqui a estória se acabou.
Aqui, a estória acabada.
Aqui a estória acaba.

[ Guimarães Rosa ]

Ismália

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

[Alphonsus de Guimaraens]

A velhice

A velhice é uma idade sagrada.
Foi venerada em todos os tempos.
Na antiguidade teve obséquios e cultos oficiais.
Pode apreciar-se o grau de cada civilização histórica
pelo respeito e pelo carinho dispensados a estes seres,
de energia quebrada e de esperança desfeita,
que trazem nos olhos tristes o reflexo cada vez maior da morte que se aproxima.
A velhice é a quadra sem prazer de toda vida humana.
A infância sabe só que vive, e ri; a mocidade tem o sonho que
embala, e canta; a idade adulta conta com o futuro,
ambiciona e trabalha;
a velhice é um sonambulismo trêmulo e quase sempre atormentado,
de que só se acorda na agonia extrema... para morrer.
Por que anda tão alegre e alvoroçada a infância,
e a velhice por que anda tão melancólica e abatida?
Perguntava Chateaubriand, e respondia:
é porque a infância ignora tudo, e porque a velhice sabe tudo!
O que a velhice sabe?
Sabe que a existência humana é um tecido de ilusões e que o prazer,
de usa natureza fugaz,
antecede sempre ao tédio ou a desventura:
sabe que a vida falta sempre às suas promessas,
e que a felicidade anda sempre em volta de nós,
como sombra, sem que a possamos ou tentemos colher em nosso proveito;
sabe que a fortuna leva muito tempo a chegar e,
se chega, dissipa-se, foge depressa, e que só a desgraça vem e permanece;
sabe, como na sentença de Ovídio,
que raras amizades nos restam se o infortúnio nos visita,
e que só são numerosas e frequëntes nos dias de prosperidade e do valimento;
sabe que, com o volver dos anos, o coração arrefece gradualmente,
o entusiasmo apaga-se, a própria ambição diminui,
a esperança reduz-se a um tênue clarão,
a crença nas coisas da terra evola-se como o fumo,
os horizontes, com a luz decrescente,
restringem-se de hora em hora: e fica só,
quando fica, o pavor da eternidade e a última confiança em Deus!

[Antonio Cândido]

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  1. Epitáfios
  2. Florbela Espanca
  3. Vem, Noite
  4. Grandes são os desertos
  5. Viver é não conseguir
  6. Aquele que tropeçou
  7. Grande Sertão: Veredas
  8. Ismália
  9. A velhice
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